sexta-feira, setembro 15, 2006

A morte de meu pai, Francisco Andreoli, no dia 14 de setembro de 2004 continua sem solução. O “velho” morreu no banheiro de sua residência no conjunto Castelo Branco em Rio Branco ( AC) vitimado por dois disparos de arma de fogo.
Sua companheira na época e única testemunha do crime, Irene Veloso de Castro afirma que o mesmo se suicidou. Os laudos periciais indicam assassinato. O inquérito está parado.
Tive acesso aos laudos técnicos e há quase uma ano publiquei matéria especial sobre o crime que abalou a sociedade acreana e rondoniense. Para quem ainda na leu, republico abaixo o material. Mesmo passado mais um ano, o inquérito continua na mesma, ou seja, parado sobre alguma mesa de delegado acreano.

DIA DA MORTE

Segundo Irene Veloso, seu companheiro teria levantado da cama do casal por volta de 6hs, caminhado até o banheiro social da casa e após se trancar no banheiro, teria cometido suicídio com dois tiros.
De acordo com Irene, a mesma teria acordado com o primeiro disparo. Quando chegou na porta do quarto ouviu o segundo tiro, caminhou até o banheiro que se encontrava fechado, quando escutou o barulho de uma pessoa caindo no chão. Preocupada com o marido, pegou o controle remoto do portão de sua casa e saiu em busca de socorro.
Irene foi prontamente atendida por seu vizinho Everton Simão e sua mãe.
Em depoimento, Everton Simão disse que por volta de cinco da manhã, ouviu um tiro e ficou apreensivo. Ao ouvir gritos de socorro, o mesmo saiu de casa e encaminhou-se para a casa de Andreoli. Simão alega ter ouvido a expressão “ladrão” e após ter entrado na casa, ficou com receio de arrombar a porta do banheiro por pensar que Andreoli pudesse estar sendo mantido refém dentro do banheiro.
Após baterem muito na porta, Simão resolveu dar um ponta pé, arrombando-a. Encontrou Andreoli caído dentro do box, de frente para a porta, com uma perfuração na cabeça, tendo muito sangue salpicado nas paredes.
Viu também um revólver e um óculos posicionados do lado esquerdo do corpo. Simão só tomou conhecimento que eram dois tiros na parte da tarde quando estava sendo interrogado pela Polícia Civil.

VERSÃO SUICÍDIO

Segundo Irene Veloso, seu companheiro estava muito deprimido por causa de dívidas e ameaças de prisão civil por parte de uma ex-companheira, por seguidos atrasos no pagamento de uma pensão alimentícia. Andreoli também alegava que estava com a diabete alta. Tinha emagrecido muito e emocionalmente não era mais a mesma pessoa.
Andreoli estava sendo executado por bancos por ter sido fiador de dois empréstimos que não foram honrados. Uma fiança foi para a compra de um avião por um Policial Rodoviário Federal de prenome Getulio. O avião caiu, não tinha seguro, Getulio não pagou e Andreoli estava sendo executado. A outra fiança era para Sérgio Castagnha, seu contador que tirou dinheiro do banco para comprar gado. Também não pagou e o dentista estava sofrendo ação de cobrança.
Um ponto comum em todos os ouvidos no inquérito, alegado inclusive como uma provável causa de suicídio, seriam as cobranças de uma pensão alimentícia que o mesmo já não conseguia pagar. O valor alto (R$2.400,00) a ser pago por mês, inviabilizava o pagamento e o dentista lutava na justiça para abaixar o valor. Vivia reclamando das ameaças de prisão pela ex-companheira. No depoimento de suas funcionárias, tanto da clínica como de sua residência, este poderia ser um dos motivos para tal ato insano.

LAUDO DO IML

O IML – Instituto Médico Legal designou os médicos legistas Wilson Queiroz e Carlos Calderon para procederem o exame cadavérico. A necropsia iniciou-se às 14hs e estendeu-se até às 22hs. Após oito horas de exames, dezessete radiografias e coleta de materiais para exames residuais de pólvora nas mãos de Andreoli, o laudo Nº01.217.09.04 , confirmou que a vítima recebeu dois disparos de arma de fogo, sendo um na cabeça no lado esquerdo e outro no coração. Ambos considerados lesões fatais.
De acordo com o laudo, se o primeiro tiro tivesse sido no coração, a vítima não teria condições de disparar o segundo, seja pela gravidade da lesão, que literalmente explodiu o órgão, seja pelo fato que é sabido na literatura criminal que quando um corpo é atingido, ocorre no ato da penetração do projétil, uma pancada que faz o corpo cambalear e trocar de posição. Em função disto, o suicida não teria condição de efetuar o segundo disparo, principalmente em outro lugar do corpo, no caso específico, tendo que elevar a mão para efetuar o outro disparo na cabeça.
No laudo os peritos invertem a seqüência dos tiros, considerando o primeiro na cabeça. Por ter sido disparado a “queima roupa”, com o cano encostado na cabeça, a explosão dos gases de pólvora, mais a lesão na região parietal esquerda, que produziu um túnel no cérebro, considerada uma lesão gravíssima, a vítima não teria condições de efetuar o segundo disparo no coração.
O exame residual de pólvora não encontrou vestígios nas mãos de Andreoli que era canhoto, demonstrando que a vítima não disparou em si mesmo os projéteis que lhe atingiram o corpo. Conclusão dos legistas: Homicídio.
O médico legista Deusmar Singui também analisou o laudo e concluiu pela hipótese de homicídio, lembrando em seu despacho que via de regra um homicida não efetua mais que um disparo de arma para dar cabo da vida.
Singui afirma também que o projétil que atingiu o crânio foi perpendicular ao ponto de entrada na calota craniana, sendo que nos casos de suicídio, este trajeto tende ser obliquado para cima. O legista afirma ainda em seu laudo que qualquer dos disparos, tamanho o dano causado, poderia causar a morte instantânea do dentista.
“Logo, se estivéssemos ainda dando crédito à hipótese de suicídio, no caso em tela, só poderíamos aceitar as lesões produzidas por um dos tiros, a presença do segundo disparo, qualquer que tinha sido ele, corrobora com a hipótese de homicídio” escreveu Deusmar Singui na sua conclusão.

LAUDO DA POLÍCIA TÉCNICA

Dentro dos procedimentos investigativos, o diretor do Instituto de Criminalística na época, Francisco das Chagas Paiva, designou os peritos André Luiz Lima da Silva e Alcineide Almeida de Queiroz Matos para realizarem o exame em local de morte violenta.
Os peritos se dirigiram ás 7hs para a residência de Andreoli na quadra 2, casa 2 do conjunto Castelo Branco. No laudo 2431/04 os peritos levantaram novas informações.
No estudo do ambiente físico da residência, constatou-se a ausência de movimentação violenta ou qualquer tipo de violação nas áreas de acesso e ventilação da residência. O cadáver também não possuía marcas de ferimentos ou escoriações nos membros superiores e inferiores, indicando que a vitima foi caminhando até o local de sua morte.
O estudo das manchas de sangue no piso, por gotejamento, espargimento, contato e o escorrimento no corpo da vitíma, apontam para a probabilidade mais provável do primeiro disparo ter sido efetuado no peito (coração), quando o mesmo se encontrava na parte mediana do banheiro. A grande concentração de sangue, as marcas de escorregão dos pés da vitima neste ponto do banheiro confirmam esta tese.
O segundo tiro recebera quando já estava tombado, sendo atingido da esquerda para a direita, evidenciado tanto pela ferida de entrada do projétil, quanto pelo deslocamento da cabeça e ainda do escorrimento do sangue na parede na mesma linha da ferida.
Outro ponto que chamou a atenção dos peritos foi a disposição do óculos da vitima, com as alças devidamente dobradas e sem sangue na parte voltada para cima, encontrando –se num local com certa quantidade de sangue.
O gotejamento sob a lente reforça a hipotese de ter sido colocado após os disparos, haja visto que se tivessem caído com o impacto dos tiros, teria no mínimo, as partes que se encontravam voltadas para cima, ficarem impregnadas de sangue.
Quanto ao fato da porta do banheiro estar fechada, os peritos concluíram que existe a possibilidade de seu fechamento por fora, já que a mesma é do tipo “quadrada”, muito frágil e que pode ser acionada por meio de instrumento rígido como chave de fenda e similares.
Constatou-se ainda que existe um sistema de fechadura idêntico no quarto em frente ao banheiro, não estando no local no ato dos exames,a chave desta porta. Concluíndo os peritos afirmaram no laudo que no local ocorreu um Homicídio.

PROVIDÊNCIAS

O depoimento de Irene Veloso, que é defendida pelo advogado Roberto Duarte, ao diretor geral de Polícia Civil do Acre, delegado Walter Leitão Prado e que foi acompanhado pelo promotor de justiça Álvaro Luis Araújo Pereira, a mesma afirmou que a causa da morte foi suicídio.
Quando do depoimento dos filhos de Andreoli, o delegado Prado disse para os mesmos que existem na literatura policial diversos casos em que o suicida tenha tirado a vida com mais de um tiro.
Segundo familiares da vitima, Prado até hoje não apresentou tais estudos para a família. Afastado do caso por motivo de doença, assumiu o caso a delegada Juçara leite Viana.
A delegada dando seqüência ao inquérito ouviu o irmão de Irene, Iraldo Veloso de Castro, com quem Andreoli já teria tido desavenças e teria estado na casa no dia anterior ao crime.
Andreoli e Iraldo tiveram um grave atrito por causa de uma moto-serra da vítima que foi vendida sem seu conhecimento.Segundo familiares do dentista, Iraldo mentiu ao afirmar que tinha um bom relacionamento com a vítima.
Assumiu o caso o delegado Ilzomar Pontes do Rosário, atualmente responsável pela Corregedoria da Polícia.
O delegado novamente ouviu Irene que afirmou que não havia ninguém na casa no dia do crime além dela e seus dois filhos menores. Disse também que não possuía nenhum seguro de vida em seu nome e que o marido teria passado a camionete para ela, um dia antes de ter se “suicidado” com receio do veiculo ser penhorado pela justiça, daí sua transferência repentina. Irene, de acordo com o laudo residográfico não possuía pólvora nas mãos.
A reportagem constatou que Irene só foi submetida ao exame, dois dias após o assassinato de Andreoli
Com este depoimento, embasado pelos laudos periciais, de posse da informação que Irene possuía sim, dois seguros de vida em seu nome, feitos pelo falecido e que a mesma teria inclusive tentado sacar quatro dias após o crime, complementado pela assertiva de Irene de que não havia ninguém na casa, Ilzomar pediu sua prisão preventiva que foi deferida pelo juiz Elcio Sabo Mendes Junior, da vara do Tribunal do Juri.
Sua prisão não contribuiu para o avanço das investigações, Irene não foi novamente ouvida enquanto se encontrava presa e ninguém foi chamado para prestar novos esclarecimentos.
Vencido o prazo de sua prisão preventiva o Ministério Público pediu sua liberação por falta de provas.

O PROCESSO HOJE

Passado mais de ano da morte de Francisco Andreoli, o crime continua sem solução. Filhos do odontólogo, estiveram em Rio Branco nesta semana para participar de uma audiência na vara de família, onde Irene pede o reconhecimento de sua união estável com Andreoli.
Ricardo Andreoli, empresário, disse que a vinda a Rio Branco foi marcada de coincidências.
“ A audiência foi marcada para o dia primeiro de novembro, dia do aniversário de nascimento de meu pai, que coincidiu também com o dia do aniversario do juiz que presidia a audiência” afirmou Ricardo.
A reportagem constatou que para o cartório da vara do tribunal do júri , o réu que responde pela morte de Francisco Andreoli é Erasmo Rodrigues Reis Filho, indiciado pelo artigo 121 (homicídio doloso) e que em nenhum momento é citado nos autos.
Para Ângela Andreoli , advogada, filha do dentista, este processo não está tendo a devida atenção das autoridades acreanas.
Para os familiares é necessária uma reconstituição do dia da morte de Andreoli, já que existem muitas controvérsias no depoimento de Irene Veloso.

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